Ler livros é incontornável. A propósito de contos eróticos do princípio dos tempos.

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Aqui fica uma sugestão de presente de Natal para quem ainda tem uma ou outra compra para fazer (ou todas!). Dar um livro é sempre um presente especial e, se os livros sempre foram imprescindíveis, arriscaria afirmar que nesta estranha segunda década do século XXI vivemos num momento particularmente necessitado de livros. Em tocando à leitura de livros, todos os tempos são iguais mas uns são mais iguais que outros – isto para citarmos livremente esse autor que escreveu sobre outros tempos problemáticos, George Orwell. Porquê particularmente necessitados, pergunta a leitora ou o leitor? Bom, num tempo de redes sociais, de leituras de poucas linhas de tuites ou de posts do facebook, de notícias falsas ou incompletas ou alarmistas (sempre escritas de forma básica e curta, a ver se não se notam os defeitos), é cada vez mais importante a leitura de raciocínios e narrativas prolongados. De histórias que tenham nuances e nos interpelem e, por vezes, nos incomodem e desafiem. Que nos coloquem nos sapatos dos outros. Que espicacem a nossa imaginação. Que nos ponham em contacto com a ironia, as hipérboles, os paradoxos – e nos ensinem que apreender a literalidade das palavras é diferente de ler. Tudo isto só é possível com bons produtos literários – também chamados livros.

Acresce que a leitura de ficção nos treina essa capacidade relacional tão importante: a empatia. Várias pesquisas já demonstraram que quem costuma ler ficção tem melhores capacidades sociais. É oficial: ler torna-nos melhores pessoas. (Ah, e se precisamos de boas pessoas.) Mais: ler livros também nos permite conhecer em profundidade realidades diferentes da nossa. Sejam outros países, backgrounds sociais, regiões, religiões ou tempos históricos. Em se tratando de História, a utilidade torna-se estratosférica. Não conseguimos compreender o presente sem conhecer o passado, as tendências do passado, os fenómenos cíclicos. Ponto. A quantidade de pessoas que se ouvem e lêem por aí que, ignorantes, tomam algum evento ou facto do presente como algo como se fosse novidade absoluta, sem perceber que faz parte de uma corrente que o liga a um passado quiçá até muito distante, é risível – e preocupante.

Desta feita sugiro Deana Barroqueiro, com Contos Eróticos do Velho Testamento. Junta a ficção e o tal conhecimento histórico que nos faz falta. Aconselha-se ainda mais a quem tenha interesse por estes tempos da antiguidade clássica e pré-clássica. O nome não esconde o objeto do livros: as relações ficcionadas (mas quem conhece a realidade?) dos pares amorosos (voluntários ou forçados) das histórias bíblicas do Antigo Testamento.

São contos eróticos, pelo que Deana Barroqueiro nos mostra tempos permeados por uma sensualidade explícita e abundante. Frequentemente violenta para as mulheres, também. Em boa verdade, começando nos tempos dos nómadas do Crescente Fértil, eram tempos violentos e bárbaros e as mulheres, fisicamente mais vulneráveis, as vítimas mais fáceis. Por vezes é desconfortável ler os Contos – como na perseguição a Agar (a segunda mulher de Abraão) e na violência que Sara, a primeira mulher, usou para a punir; ou na violação de Adah, oferecida aos adoradores de Belial para salvar o frio e seco marido.

Há também (ufa) contos que mostram o poder das mulheres – ou, pelo menos, o poder que as mulheres conseguiam usar nestas circunstâncias e tempos inquinados onde ordenavam os mais fisicamente capazes e fortes. A história de Ester e Xerxes da Pérsia. O conto trágico-doce de David, Abisag e Betsabé. A ardilosa Dalila que destrói o cruel e brutal Sansão (mas, no meio de tudo, quem lhe leva a mal?). E – para mim o conto mais delicioso – esse encontro de iguais que foi a paixão entre a Rainha de Sabá e Salomão.

Contos Eróticos do Velho Testamento tem prefácio de Maria Teresa Horta. É editado pela Planeta e ao longo de 422 páginas (incluindo uma bibliografia) lemos sobre tempos em que a sexualidade era assunto sério a que todos se dedicavam como e quanto podiam. Como hoje, no fundo.

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