Elogio da Sombra, Jun’ichirō Tanizaki

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Mas basta de recriminações, sou o primeiro a reconhecer que os benefícios da civilização contemporânea são incontáveis, e além disso os discursos não irão modificar nada; o Japão está irreversivelmente embrenhado nas vias da cultura ocidental, de tal forma que só lhe resta avançar valentemente, deixando pelo caminho aqueles que, como os velhos, são incapazes de prosseguir; contudo, na medida em que a nossa pele nunca mudará de cor, é preciso resolvermo-nos a suportar eternamente inconvenientes que somos os únicos a sofrer.

in «Elogio da Sombra», Jun’ichirō Tanizaki – tradução de Margarida Gil Moreira, Relógio D’Água, 2016

Ler Tanizaki é voltar a um Japão profundo, tradicional, imperialista. Enquanto leitor, regresso ao mundo de Kawabata e Mishima (aliás, a edição da Relógio D’Água destaca os três como os maiores escritores japoneses do século XX), a um misticismo muito próprio, de uma cultura que, aos nossos olhos, é tão diferente de tudo.

Este pequeno ensaio versa sobre um tema especial, invulgar, mas de uma profunda e extensa reflexão: a sombra. E tudo nessa escuridão, no contraste com a luz, aponta para uma forma diferente de estar. A estética tradicional japonesa valoriza as sombras, desde o rosto das mulheres às paredes dos corredores, os actores, as salas dos templos.

O livro é uma exaltação nipónica, na sua grandeza; e um tratado detalhado do uso da penumbra em todos os aspectos: as sombras de olhos no teatro, a arquitectura simplista e despida, que não usa nem aponta à luz, em oposição à luminosidade e beleza exaltadas pelo ocidente. A contemplação da sombra está em tudo o que gira e mexe. Vamos percebendo, ao longo da leitura, que o Japão se sente bem assim – só – porque desse jeito se compreende e se conforta.

Existe um discurso saudosista dos bons costumes em Tanizaki, uma crítica à ocidentalização do Japão. Em coisas tão simples, como a iluminação artificial. Não é evidente, só subtilmente lemos nas entrelinhas que o escritor é voz da sociedade do seu tempo, um povo orgulhoso da sua cultura.

O livro também crítica ao de leve o fascínio da luz, espectáculo e superficialidade. A defesa dos bons e velhos costumes vem sempre acompanhada de uma comparação inevitável no tempo ou lugar – isso é central neste ensaio.

Tanizaki é mestre desse jogo, dá vontade de apanhar um avião e passar uma temporada lá, mesmo sabendo que o livro foi escrito em 1933 e esse já não é o meu tempo.

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Rodrigo Ferrão nasceu em 1983, é natural do Porto e frequentou o curso de Direito, mas virou a página e foi livreiro alguns anos. Rodeado de livros, dedicou-se à discussão literária através do mundo digital. Não totalmente realizado com o debate, decidiu escrever a sua própria poesia, seguindo-se de outras grafias. Gosta de ler, passear no campo e na cidade, escrever e viajar – não perde uma oportunidade para contar aquilo que vê. Sonha um dia largar o trabalho e ir por aí, divagando como pensa.

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