História de um site

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Já não me lembro quando foi, mas sei que estava no carro, numa daquelas viagens compridas e boas para nos perdemos no nosso mundo interior e propensas à introspeção. Pensei que faltava um fórum que discutisse o feminismo e as questões da paridade e da igualdade de género sem deixar que o tema ficasse aprisionado apenas pelas vozes de esquerda mais radicais ou à procura de promoção própria através desta causa.

Vai daí, em maio de 2017 convidei uma amiga para almoçar no JNCQuoi – as boas ideias merecem locais adequados – e expliquei-lhe o que tinha pensado e alguns nomes. Ela acrescentou mais nomes. Tempos depois, reunimo-nos em minha casa, a meio da semana. A discussão foi tão alegre e produtiva que nos esquecemos de sair para jantar (o plano inicial) e ficámos a tostas e queijos pela noite dentro.

Gerou-se espontaneamente um grupo mais ativo, que pegou no projeto e, nas horas livres, discutiu temas e organização, procurou templates, recrutou consultoria informática, discutiu o nome, comprou domínios, recrutou pessoas para escreverem. Os fundos são próprios, pelo que havia que aproveitar para os esticar para melhor efeito. Tivemos boas vontades várias.

As ideias para o site foram evoluindo. Não podemos amputar a discussão da paridade do resto da realidade, pelo que valia a pena trazer todas as facetas da vida para o site: os debates imprescindíveis a cada momento, a política, o mundo além fronteiras, as artes e a cultura, o quotidiano das mulheres e dos homens, os filhos, a cidade, as personalidades que marcam, os eventos a que não podemos escapar, as inquietações próprias da natureza humana. Sobretudo queríamos quem escrevesse bem.

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Houve quem desistisse. A tendência das mulheres para concluírem que não vale a pena exporem-se ou que não têm nada para dizer não é mito. Outros não têm a têmpera para se manterem num projeto no início e terem o trabalho de o impor e fazer crescer. Mais uns escasseia-lhes o tempo para pensarem e escreverem com a qualidade que sempre exigem a si próprios e que nos queriam oferecer. Entretanto outros juntaram-se e enriqueceram as nossas valências e espicaçaram-nos para mais temas e projetos. As minhas ideias, pelo menos, foram evoluindo; estou agora muito mais convencida que estava de início da necessidade de trazer os homens empáticos com a nossa causa nos nossos debates e eventos e reclamações.

Mas começamos em maio deste ano, em regime de soft opening, para limar arestas. Tendo-vos nós, claro, já oferecido textos imperdíveis. E no último dia 14, num local com uma soberba vista de rio e da Ponte 25 de Abril, oferecemos uma festa oficial de lançamento do site, para autor@s (o contingente do Porto e de fora do país não pôde estar presente) e amigos da comunicação social.

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Deixo-vos aqui o texto que distribuímos nesse dia. E continuem a ler e a apreciar os nossos temas e boa escrita, que nos esforçaremos para sempre vos oferecer.

‘É uma verdade universalmente reconhecida que todos os políticos, podendo, se esquecem dos desequilíbrios e injustiças que recaem, ainda, sobre a metade feminina da população. Cabe-nos, então, lembrá-los e espicaçá-los e, se for o caso, puni-los por atos, omissões ou negligências.

Acreditamos no poder das mulheres enquanto eleitoras e contribuintes e na sua capacidade para escrutinar, reclamar e exigir do poder político que não se esquive de agir para atenuar uma desigualdade estrutural. Acreditamos no poder das mulheres enquanto consumidoras para premiar ou punir as empresas consoante tratam bem ou mal o CAPITAL humano que são as mulheres, promovendo-as, pagando-lhes justamente, não as penalizando por terem filhos.

As empresas com maior igualdade nas administrações e chefias geram maiores receitas. Um maior número de políticas do sexo feminino promove que os assuntos específicos de mulheres sejam mais discutidos nos fóruns políticos.

Pelo que temos de concluir: é de importância CAPITAL discutirmos – mulheres e homens – a necessidade de uma maior paridade, dar visibilidade ao sucesso feminino para o normalizar, expor os ainda existentes tetos de vidro, as tentativas de apagamento das mulheres do espaço público e profissional, as regras sociais obsoletas, as violências digitais e em carne e osso.’

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Imagens de Isabel Santiago. Veja mais fotografias no facebook da Capital Mag.

 

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Mãe de dois rapazes e feminista (das duas características conclui o leitor inteligente que não quer exterminar os homens da face da Terra). Licenciou-se em Economia ao engano, é empresária, mas depois encarreirou para os Estudos Orientais, com pendor para a China. É cronista do Público e escreve ocasionalmente ensaios sobre livros e leituras na Ler. Já foi blogger e cronista do Observador e Diário Económico. Considera Lisboa (onde nasceu e vive) a cidade mais bonita do mundo, mas alimenta devaneios com Londres e Hong Kong.

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