Em representação da Capital Magazine fui convidada para a antestreia do documentário Hip to da Hop, dos realizadores Fábio Silva e António Freitas.
No âmbito do festival FNAC LIVE, o espectáculo contou com as actuações do guitarrista Bruno Soares, dos DJ’s e produtores Strolinflows e, para finalizar o warmup, com o grupo de breakdance SilabnJayFella. A animação estava já garantida e o que se seguiu não desapontou. Com os primeiros takes marcantes dos prédios da cidade recortados pelo céu azul, o documentário começa – e bem – pela cidade-berço de alguns dos maiores vultos do Hip Hop português. É em Almada que as primeiras rimas e gargalhadas se soltam. Aborda-se o começo do hip hop em Portugal através do testemunho dos pioneiros. É recordada a compilação Rapública e a explosão cultural urbana que o álbum despoletou. Explosão esta, diga-se, que atravessou a ponte e pôs a betinha que vos escreve a decorar letras de rap e a arriscar uns quantos moves claramente falhados.
Figuras tristes à parte, este é o poder da música e o segredo do sucesso do hip hop. O poder de transcender fronteiras, de unir os mais improváveis aliados em nome da criação artística disruptiva urbana.
É com referência a este poder que o documentário segue enumerando alguns dos sucessos passados e presentes, aproveitando para traçar o ponto da situação.
Ao longo dos anos, novos protagonistas foram surgindo. Portugal interessou-se pelo estilo urbano nas suas três vertentes: hip hop, breakdance e grafitti. O estilo acaba por ser vítima do seu próprio sucesso. Diversifica-se, perdendo, na opinião de alguns dos entrevistados, a sua essência poética e política. Nas entrelinhas sente-se o saudosismo de tempos em que tudo era menos sofisticado mas mais autêntico. Desabafos que acrescentam nostalgia saudável, evitando sempre o tom de queixume ou rejeição do presente.
Em tom de celebração e homenagem partilham-se histórias de DJ’s, improvisa-se uma serenata. Filmam-se breakmoves desafiantes da lei da gravidade e decoram-se paredes contrastantes com o azul do mar. O Hip Hop português tem neste azul a marca da portugalidade nunca esquecida. Rejeita ser cópia de outras culturas, assumindo-se orgulhosamente português e complexo na sua essência. É na toada desta heterogeneidade que outras localidades são trazidas à tela. Caldas da Raínha, Porto, Leça da Palmeira e Faro eram clusters onde artistas encantados pelo novo faziam muita arte por muito pouco dinheiro e zero visibilidade. Sublinha-se o carácter urgente e rudimentar dos primeiros passos do hip hop numa altura em que cassetes eram gravadas em garagens e as festas eram avessas às multidões.
Hip to da pop é uma ode à periferia, uma orgulhosa afirmação da cultura urbana. Travam-se battles, fazem-se rimas, dançam break moves gastam-se incontáveis latas de tinta. É merecida homenagem aos agentes de mudança que abriram a porta para os famosíssimos artistas de hoje. É um recordar da poesia, das letras complexas, sentidas, cantadas por uma comunidade sub-representada num Portugal de fim de século ainda desconfiado em relação às manifestações artísticas urbanas.
De Sam the Kid aos irmãos Meirelles, dos Mind da Gap a Chullage sem nunca esquecer o retumbante sucesso de Vhills, os novos artistas são produto da paixão abnegada de quem os antecedeu. Todas as histórias passadas e presentes se descobrem neste documentário realizado com mestria por António Freitas e Fábio Silva.