Estive na semana passada na antestreia de O Primeiro Homem na Lua, no IMAX do Colombo, que estreia a 18 de outubro. O novo filme de Damien Chazelle dificilmente se tornará no filme da vida de alguém, mas saí de lá considerando-o um filme competente. Não se presta a grandes emoções – o protagonista, Neil Armstrong/Ryan Gosling, é daquelas personagens quase sempre falhadas e que felizmente o cinema e a televisão já dão sinais de perceber que é um cliché passado: a do homem introspetivo e pouco expressivo que afinal é intenso (não é nada, simplesmente tem a parte emocional atrofiada). Faz lembrar (no mau) o Mr Darcy daquele malfadado filme de 2005, em que Matthew MacFayden também considerou que a melhor estratégia para dar profundidade de sentimentos ao magnífico Mr Darcy era aplicar-lhe um ar permanentemente sofredor. Mas adiante, que falar deste filme faz-me mal à saúde (como fã incondicional decente da Jane Austen que sou).
Enfim, a personagem principal não é carismática e, confesso, também, não sou excessivamente convencida com os talentos excepcionais de Ryan Gosling. Já Clare Foy – a soberba Isabel II das duas primeiras temporadas de The Crown – continua irrepreensível e é, para mim, do melhor do filme. O que torna um filme num grande filme – a exibição pura da natureza humana – está aqui só presente quando aparece a personagem de Foy, a mulher de Neil. A ansiedade perante o perigo das missões no espaço, o preço da secura do marido reagindo à morte da filha ou dos colegas que iam sendo sacrificados ao programa espacial, a vida com Neil que se revelou não exatamente o que pretendia, a imposição de que o perigo pelas escolhas de vida de Neil fosse revelado aos filhos por este em vez de pela mãe.
O filme tem outro pecado imperdoável. Passeia-se por lá um Ciarán Hinds num papel secundário completamente subaproveitado. (Para mim, que ainda não me esqueci do portentoso Ciarán Hinds na adaptação de Persuasion – sim, Jane Austen again – para filme em 1995.)
Em todo o caso, O Primeiro Homem na Lua conta a história do programa que levou Neil e Buzz Aldrin à Lua em 1969. Não sendo eu conhecedora desta história, gostei que ma contassem. As descontinuidades temporais são pertinentes, bem como a fuga a alguns momentos icónicos. E Janet/Clare Foy tem mais de interessante. Mostra a vida de uma família americana dos anos 60, com tudo aquilo que graças a todos os deuses já se esfumou. A família que gira à volta de personalidade e da profissão do pai. A mulher que por mais personalidade forte que tivesse era sempre secundária. O pai desligado e desconectado dos filhos. O pequeno mundo organizado onde nada havia de disruptivo além, lá está, dos eventos da vida do pater famílias. De certa forma o filme é uma evocação de uma forma de vida que tem bastantes saudosistas mas, aleluia, desapareceu.
Por ter visto tal curiosidade anacrónica no filme, fiquei surpreendida por esta crítica na New Yorker, dando o filme quase como um produto para a alt right americana. (Que, no entanto, não o considera suficiente.) É certo que Neil Armstrong tem no filme aquele estivo vazio, robótico e sem emoções que a malta da direita americana acha que é o clímax da masculinidade. Mas, que diabo, um filme de época realizado em 2018 tem de gastar parte da sua narrativa a fazer uma crítica moral às falhas do mundo datado que representa? Não podemos ver uma história sossegados sem lá meter a política e a moral do século XXI? Por que haveria O Primeiro Homem na Lua de referir as lutas pelos direitos civis, ou questionar-se pela ausência de pessoas de cor e de mulheres no programa espacial? Ou a libertação sexual (por oposição ao mundo claramente patriarcal onde viviam os protagonistas da viagem à Lua)? Ou as vicissitudes da administração Johnson? Ou…?
Também não concordo de todo com a crítica que Richard Brody faz às cenas dos manifestantes, ou dos congressistas, questionando os custos e os impostos do programa espacial. Nesta altura, durante o filme, comentei para o lado que manifestantes e congressistas tinham toda a razão. Tanto a tinham que o programa espacial foi progressivamente abandonado, depois da vitória face à União Soviética, precisamente por haver programas sociais que necessitavam de financiamento.
Sobretudo causa-me espécie esta mania tão século XXI de andar a pesquisar aquilo que falta numa obra, literária, cinematográfica, o que seja. Por estes dias tudo tem de ser contado à luz de uma perspetiva feminista, lgbt ou anti-racista. Nada contra as obras que relevem essas questões – pelo contrário. São muito necessárias. Da mesma maneira percebo a crítica à escolha permanente pelas histórias white (e male), desprezando todas as outras menos heterodoxas. Sucede que às vezes podemos preferir contar uma história que é sempre uma fração parcial da realidade que não tem de dar pistas para todos os outros eventos simultâneos na realidade. E a história da ida à Lua é assim. O filme não é arrebatador, porém não é seguramente por estas falhas ideológicas.