Falemos de consentimento

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Copyright Isabel Santiago

Em Espanha o Podemos há tempos propôs, numa medida contra a violência sexual, criminalizar atos sexuais que não tenham consentimento explícito. Tal proposta, como é costume, gerou uma onda de piadas e indignações nas redes sociais – sem surpresas, vinda dos mais conservadores e hostis e a qualquer melhoria nos direitos das mulheres (mesmo em se tratando de liberdades básicas como a autodeterminação sexual) e daqueles com neurónios preguiçosos que nunca se dão ao trabalho de construir uma opinião informada e própria.

Não gosto da ideia de todos os atos sexuais sem consentimento explícito serem criminalizados. O consentimento sexual pode muitas vezes ser indireto e não verbal, claro. Mas tendo em conta a tendência que aparentemente (pelo menos do que se vê pela explosão do MeToo e pelas opiniões expressas nas redes sociais) muito homens têm para fingir que há consentimento quando de facto não há (o que em bom português se chama violação ou abuso sexual), dir-se-ia que este é um assunto para conversa séria em vez de tirada tonta imediatamente disparada na rede social. Mas não tivemos essa sorte.

Pela minha parte, criminalização ou não criminalização, sou muito favorável à necessidade de consentimento explícito. Sobretudo entre pessoas que se conhecem mal, ou ainda mal, e não devem presumir de mais sobre alguém que se está a descobrir como funciona e comunica e do que gosta. Nem imagino que vida sexual têm as pessoas que disparatam de súbito nas redes sociais. Ou praticam sexo em posição de missionário dentro de um casamento ou, se variam mais, gostam de forçar a sua vontade se não pedem consentimento.

E nem se trata só de consentimento geral, porque consentimento para sexo não é consentimento para tudo dentro do arco do sexo. Por se querer ter sexo vaginal não quer dizer que apeteça sexo oral. Preservativo ou não. ‘Posso vir-me aqui ou ali?’ E mais umas quinhentas questões que uma parte não tem de decidir pelas duas e impor à outra uma concordância compulsiva (que, neste caso, é o mesmo que não ter consentimento). Como mãe de dois rapazes farei questão de passar esta mensagem – até para lhes evitar malentendidos.

E, em boa verdade, e ao contrário do que apregoam, falar de consentimento não é nenhum turn off no meio do desejo sexual e da pressa para passar aos atos. Umas perguntas ‘queres fazer xxx?’ ou ‘vamos fazer yyy?’ ou ‘gostas de zzz?’, e as respostas afirmativas, acrescentam à excitação do momento. Como toda a gente percebe, antecipar o prazer, falando nele, já é prazer. (Para sortidos tipos de prazer, de resto.) É uma espécie de sexting em versão olhos nos olhos. Alminhas perturbadas podem inventar necessidade de notário, ou contrato escrito, ou outros fantasmas, mas as pessoas normais percebem estas interações, de resto agradáveis.

Mesmo em relações estáveis é esperável e normal que se fale primeiro da vontade de todas as partes antes de praticar originalidades até aí inexistentes na relação, quando estas podem gerar melindres. Se um feliz conjuge de um casal exemplar pegar numa chibata e chicotear a cara metade durante o sexo, sem ter para isso consentimento explícito, bom, será uma acumulação de violência doméstica com abuso sexual. Geralmente os casais conversam se vão experimentar ou não sexo anal. Sexo num sítio público aberto também é conveniente ter a concordância xy e xx. E por aí adiante.

É certo, há mulheres que gostam de ser maltratadas. Outras tiveram educações desestruturadas em ambientes negligentes ou perniciosos e nem percebem quando são abusadas (sexualmente ou de outra forma). Mas a maioria das mulheres é saudável e com autoestima. Gostamos pouco que nos dêem como garantidas e faltas de respeito é que são propícias a exterminar o desejo.

Estas conversas – além de saudáveis e sintomáticas de respeito mútuo – são divertidas e excitantes, quer para casais quer para encontros fortuitos. Falar de sexo é um bom foreplay. Claro que quem não tem vida sexual fora da chapa cinco com a lawfully wedded wife ou husband pode não entender. Ou quem gosta de violar mulheres. Mas, em boa verdade, também aqui se devia evitar dar palpites sobre o que se passa com a vida alheia. Sobretudo quando se trata de evitar crimes graves como violações.

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