A emancipação feminina esteve desde cedo ligada às questões de moda. Pela razão mais prosaica de todas: mudar três vezes de roupa a cada dia, usar corpetes que mal deixavam respirar, transportar em cima quilos de tecido, armados de forma volumosa tolhendo os movimentos, gastar tempo a abotoar botões intermináveis ou fazer laçarotes, necessitar de ajuda para se vestir – nada disto é conducente a grande liberdade de movimentos das mulheres. E as dificuldades de locomoção foram sempre formas de constranger a liberdade feminina Não por acaso, os momentos de emancipação feminina acompanharam-se sempre por simplificações na roupa. Foi depois da Primeira Grande Guerra, quando as mulheres guiaram ambulâncias e se tornaram enfermeiras dos soldados convalescentes – e, de seguida, perceberam que era tudo mais divertido que ficarem sossegadas em casa – que os vestidos se reduziram e pouco mais necessitavam que enfiar pela cabeça. Em Inglaterra foi o tempo das Bright Young Things, com as mulheres upper class a dançarem e a divertirem-se até de madrugada, com uma liberdade que nenhuma geração de jovens mulheres vivera.
Os costureiros Paul Poiret e Coco Chanel foram os líderes desta simplificação da roupa feminina, Chanel com maior génio que Poiret. A costureira vestiu as mulheres de camisas de seda que pareciam camisas de pijama dos homens. De calças largas e elegantes que facilitavam os movimentos. De vestidos pretos sóbrios. As silhuetas nos anos trinta tornaram-se mais esguias e minimalistas, acompanhando as formas femininas sem as deformar ou exagerar.
Os anos sessenta, da libertação sexual, foram os anos da minissaia. Pelo contrário, nos anos cinquenta, após a Segunda Guerra Mundial, havendo um esforço concertado para empurrar as mulheres de regresso a casa e aos trabalhos domésticos – depois de terem assegurado a manutenção da economia não militar em todos os países durante a guera -, costureiros como Dior ou Balenciaga ou Hubert de Givenchy criaram roupas de novo mais estruturadas, com saias rodadas volumosas e mais peças para vestir. A ideia era novamente complicar a roupa, obrigando as mulheres que queriam ser femininas e fashion victims a não conseguirem perder tempo com uma profissão.
E chegamos aos anos 70. Época da disco, das noites longas nas discotecas míticas de Nova Iorque, de todos os delírios sexuais, o canto do cisne da liberdade sexual absoluta terminada poucos anos depois, com a descoberta da SIDA no início dos anos 80. E, claro, da continuação da emancipação feminina. Inglaterra teve a sua primeira primeira-ministra. A pílula generalizou-se em meados da década. Em 1970 o Reino Unido passou o Equal Pay Act (depois das corajosas da fábrica de Dagenham se manifestarem) e em 1975 o Sex Discrimination Act.
No meio de tudo isto, em 1974 – um ano muito bom em várias áreas -, Diane von Furstenberg criou um vestido que é o cúmulo de tudo isto e todo um tratado de feminismo: o wrap dress.
Sim, aquele vestido que se ata na cintura. Feito em jersey – o material inventado pela já acima mencionada Coco Chanel, que cai lindamente, não amarrota e é fácil de cuidar (o que há melhor para uma mulher ativa, certo?) – adequa-se a todos os corpos, é fácil de vestir (é enfiar e dar um laçarote), quem tem oscilações de peso moderadas pode usar o mesmo vestido (aperta só mais ou menos). Permite ser usado em circunstâncias mais descontraídas ou com mais formalidade (dependendo de sapatos, acessórios, penteado e tudo o mais). É perfeito para viagens de trabalho, porque não amarrota. Usa-se tanto numa noite com amigas como para trabalhar. Vinca as formas do corpo, faz um decote em v bonito e é ao mesmo tempo tremendamente sexy e elegante. Ah, e vêm em estampados divertidos e coloridos (também lisos ou pretos e brancos para as menos ousadas), a que qualquer senhora de bem não resiste. Em suma, é o vestido perfeito.
Tem ainda os efeitos secundários agradáveis de ter sido inventado por uma mulher emancipada, estar associado a uma empresa de propriedade feminina e de, claro, a sua dona, Diane von Furstenberg fazer parte daquelas mulheres que não recusam o statement político com medo de perder clientes. É opositora de Trump e fez parte dos designers americanos que afirmaram não querer vestir Melania Trump.
Eu confesso-me fã dos wrap dress. São o meu power dress para qualquer ocasião profissional no inverno (de verão, confesso, uso bastante menos) que exija alguma formalidade. Defendi a minha tese de mestrado com um wrap dress (preto com corações azul turquesa), fui a vários eventos políticos de wrap dress, já estive na SIC Mulher de wrap dress (azul água com gatafunhos brancos), fiz intervenções públicas de wrap dress. Tenho vários originais, geralmente comprados em saldo ou com desconto em outlets da net – que os originais sem desconto não se vendem por menos de 450€. E tenho outras tantas réplicas de marcas consideravelmente mais baratas que se inspiraram no tal vestido perfeito. Até tenho um wrap dress de veludo bordeaux comprido, de noite, magnífico.
Tem ainda um efeito secundário delicioso. Quando os mal intencionados nos chamam fúteis por querermos continuar atraentes mesmo quando somos reivindicativas e ativistas, o wrap dress, a sua história e a inventora são um ótimo argumento para usar. Quando os maldosos afirmam que não é possível conciliar o feminismo com a feminilidade, o wrap dress extermina tal tontice. É, portanto, um vestido que se pode usar tanto como roupa ou como statement. E fica bem das duas formas.