Corre por estes dias por aí uma fotografia de Assunção Cristas, de calções curtos, a saltar para um lagar para pisar uvas. Apesar de nada se ver que não pudesse ser visto, Assunção Cristas está com uma perna de fora da cuba e outra por cima do muro, numa posição heterodoxa.
Não é a primeira vez que fotografias de Assunção Cristas provocam agitação. Houve o vestido curto com kiwis, com umas bonitas pernas à vista entre o vestido e as sandálias altas. Também as fotografias de Assunção em bikini na praia com a família.
Nada de mais. Nenhum problema existiu em nenhuma fotografia, claro, apenas nas pessoas picuinhas demasiado conservadoras que consideram que uma mulher só pode ser fotografada com decote junto ao pescoço e adornado de rendinhas. Mais saias, no máximo, por baixo do joelho.
Mas a fotografia de Cristas a saltar para dentro do lagar é diferente. Cristas não estava a posar, apesar de se saber acompanhada por jornalistas. A imagem foi retirada de um filme feito pela TVI. E quem assim decidiu fê-lo sabendo – e aproveitando-se disso – que iria haver sururu embaraçoso para Cristas por estar num momento em que, inevitavelmente, não estava de joelhos juntos e costas empertigadas. O jornalista procurou, portanto, não reportar, mas ridicularizar o político, com um método eticamente questionável.
Porém o jornalista que tal trabalho congeminou fez ainda pior. Porque aquela fotografia, se de um político homem, não levantaria uma sobrancelha a ninguém. Mas com uma protagonista feminina, com a conotação sexual tola e fácil à volta da posição do salto de Assunção, garantidamente geraria falatório. Pelo que o jornalista se aproveitou dos conhecidos estereótipos sexistas culturais e sociais que temos para promover o seu trabalho. E isto, além de ser sexista, é mesmo uma atuação profissional miserável.
Claro que os tradicionalistas hiper conservadores também aproveitaram para criticar politicamente a fotografia de Cristas. Um opositor interno do CDS, cujo nome ninguém recorda, mandou com sobranceria que a senhora tivesse ‘recato’. Também com mote da participação de Assunção num programa de humor (mulheres e humor misturados: o horror). Mais salazarento e machista não podia ser. O único ponto positivo é que nem disfarçou. Um homem orgulhoso a mandar uma mulher não se fazer notar. Que, já se sabe, ser divertido, descontraído, participar em atividades como pisar uvas estão todos reservados para os homens. As senhoras querem-se discretas, apagadas e deixando brilhar os colegas masculinos.
E é bem certo. O CDS, a par com uma ala bastante cosmopolita e desempoeirada (que tanto sucesso teve em Lisboa, e não foi só nas últimas autárquicas), tem quem muito gostasse de tornar o partido numa plataforma política populista, ultraconservadora e – tcharan – machista. Assunção Cristas é o oposto disso, pelo que tem de se atacada descabeladamente.
Dentro e fora do CDS, quem partilhou e comentou a foto tem uma agenda – além, obviamente, da salutar necessidade de fazer pouco de quem tem poder. A agenda é a do costume. Constranger a liberdade de movimentos das mulheres. Atacá-las por motivos que nunca se usariam para atacar homens. (Lembro que a mudança de calções numa praia fluvial por Marcelo Rebelo de Sousa foi benignamente divertido.) Dizer ao mulherio que a única posição decente em que se pode deixar fotografar é sentada, de joelhos juntos e com as pernas cruzadas pelo tornozelo (que cruzar nos joelhos é demasiada modernice).
E o grande perigo destes discursos públicos – e, lá está, das redes sociais replicando este género de imagens – é a cristalização das ideias de que às mulheres não se perdoam momentos não impecáveis, que as mulheres têm de estar recatadas, que a duplicidade de critérios na avaliaçào das prestações públicas de homens e mulheres é para manter. Isto dito, cada um sabe se quer reforçar estes anacronismos ou se não quer ter participação na difusão de reacionarismos.