Ceci n’est pas l’opposition

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Cada vez que vejo o telejornal lembro-me do quadro que acompanha este texto.  A oposição portuguesa está a passar uma fase Magrittiana. De tão surrealista, deixou de cumprir a sua essência. 

Como já referi em artigo anterior, um país sem oposição é um país perigoso. O Estado de direito não é funcional sem contraditório. Partidos letárgicos e/ou amordaçados são uma ameaça à democracia.

Já passámos a fase da preocupação em relação ao silêncio. Agora, o país  informado assiste, com espanto, à novela da oposição portuguesa que inclui silêncios ensurdecedores e tiros no pé. “Deixa-os cair”, diz a direita. E a esquerda não caiu. “Disfarça a cambalhota ideológica”, diz a extrema-esquerda. E a cassete, já riscada, começa a dar de si. 

Diz um Padre maravilhoso que só avança quem descansa. Rui Rio descansou um mês inteiro, naquele que foi um absoluto recorde de silêncio partidário. Voltou, mas só avançou no terreno do torneio de futebol do Pontal. O melhor marcador do torneio continua a escolher os adversários errados. Continua em pacto de regime, como se não houvesse oposição possível face a um governo que maltrata sectores como a educação, a investigação científica ou a saúde. Continua a demonizar o Ministério Público até quando elogia Joana Marques Vidal, depois de a ter criticado em momento crucial para a sua recondução. 

Diz Rui Rio que deveria ter sido nomeado “alguém de fora do Ministério Público, alguém de grande prestígio da sociedade portuguesa que pudesse gerar um certo consenso e unanimidade nacional”. Não sabemos se, ainda imbuído de euforia futebolística, não estaria a pensar no nome de Cristiano Ronaldo. 

O tipo de discurso de Rui Rio bate recordes de desrespeito pelos militantes: nunca, na história do PSD, um presidente fez manchetes dizendo que está cá “com um medinho” dos críticos. Nunca nenhum líder do meu PSD disse alto e bom som  “quem não está contente, que saia”. Não sou nem quero ser ninguém no PSD, mas fica o conselho. O Partido Social-Democrata sempre conviveu com a diversidade e até algumas divergências ideológicas naturais na área da social-democracia. Não perceber isto é desperdiçar talento, força e riqueza partidária. É não perceber que a forma como se conduz um partido é, em campanha eleitoral, um óptimo modo de aferir o hipotético estilo de governação do país. Rui Rio erra o tom, erra o alvo e a mensagem. O ruído interno não beneficia ninguém. Pede-se ao presidente de qualquer partido que seja implacável excepcionalmente mas dialogante todos os outros dias. Que fale para os portugueses. Que seja o adulto da relação partidária. The bigger person, como dizem os americanos. Porque um partido é um organismo vivo, porque um Presidente precisa mais do partido do que o partido precisa deste ou daquele presidente. E os sociais-democratas são discretos, mas não esquecem. 

  Do lado do CDS, a menção honrosa. Assunção Cristas é um génio do marketing político. Percebeu, há muito, que os portugueses funcionam em  esquema de first come, first serve. Assunção Cristas entendeu o poder da repetição e antecipação quando se trata de cativar o eleitorado. Resultou nas autárquicas. E se nas autárquicas Cristas tinha ideias e mensagem, desta vez a líder partidária tenta agora feito mais difícil: obter um resultado histórico nas europeias com um candidato sem ideias. Que aproveita a tendência das frases feitas, muito em voga na direita europeia mais perigosa. Um candidato que responde às perguntas do jornal Observador lendo o panfleto da sua campanha. Mensagem, mensagem, ainda não há. Mas a antecipação está aí: habemus cartazes. Bonitos, por sinal. Dizem Europa e nada mais. Mais vale. Frases vazias e preocupantes como “a Europa só deve acolher quem não nos faça sentir reféns” é que são de evitar.

Deixei o melhor para a próxima semana, que o artigo já vai longo e Setembro é um mês de regresso ao trabalho e fraco spam de atenção. Também, porque a extrema-esquerda – que de extrema já não tem nada – é uma verdadeira comédia de costumes, twilight zone de negação e ginástica acrobática ideológica que merece ser analisada ao pormenor.

Boa semana a todos: os que concordam e os que não concordam comigo. E como dizia o senhor da rádio, valia a pena pensar nisto. 

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