A próxima vez que precisar de um táxi em Paris vou ter de pensar muito bem se me atrevo a entrar num táxi normal ou se devo chamar um táxi da Kolett, a aplicação que só contrata mulheres para condutoras e só aceita mulheres como clientes. Eu sairei do jantar ou da discoteca com um vestido provavelmente decotado, de lantejoulas, curto e estarei bem maquilhada. A minha roupa dará azo a comentários como galdéria ou oferecida e, portanto, será natural que o primeiro taxista que me apanhar na corrida para o hotel me insulte e me queira assaltar sexualmente.
Talvez eu deva sair à noite de vestido comprido e uma echarpe ao pescoço para não chamar a atenção. Talvez não me pinte. Mas, enfim, como estou a sair à noite é provável que me chamem galdéria e oferecida e por isso será natural que o taxista que me apanhe me queira agredir. Talvez seja melhor não sair à noite e apenas de dia. Mesmo assim vou ter de pensar muito bem se me atrevo a entrar num táxi normal ou se devo chamar um táxi da Kolett. Se não tenho medo de andar num táxi normal, de o apanhar na rua, é porque me disponho a ser insultada e provavelmente até estou a pedir para ser sexualmente agredida.
Em Espanha, já há medidas locais para proteger as mulheres: à noite elas podem pedir ao motorista do autocarro para parar fora da paragem e os taxistas estão obrigados a esperar que a passageira entre em segurança em casa. São medidas anti-assédio, diz a autarquia de Vigo que as implementou. Deus nos livre de andar a pé pela cidade à noite mais de 500 metros.
Entre Leipzig e Chemnitz, na Alemanha também já circulam comboios com carruagens só para mulheres, desde 2016 e, em 2017, Joana do Amaral Dias apresentou a proposta de criação de carruagens de metro só para mulheres, na altura da sua candidatura à presidência da Câmara de Lisboa. Se entrarmos numa carruagem mista é porque queremos ser apalpadas, claro está!
Na Suécia, foi com grande sucesso que este ano se realizou o primeiro festival de verão onde os homens não entram. O Statement surgiu em reação ao cancelamento do maior festival de música de Gotemburgo, depois de o ano passado terem sido feitas 4 queixas por violação e 23 por agressão sexual. A fundadora do novo festival, a atriz Emma Knyckare, disse que “os homens não serão bem-vindos até se saberem comportar“.
A sério? Estamos mesmo a bater palmas coletivas porque algumas mulheres podem dançar à vontade e andar de táxi à vontade porque naquele restrito lugar não vão ser agredidas?
O espaço público das mulheres está a ser reduzido a olhos vistos com a incrível participação de mulheres que dizem ser progressistas. Estas mulheres querem ter o direito de sentirem livres mas preconizam medidas que lhes colocam fronteiras mais evidentes e restritivas do que aquelas que já existem…
De cada vez que se deixar passar uma medida que pretenda reduzir os perigos para as mulheres restringindo os movimentos, diminuindo os serviços que podem requisitar ou aumentando as obrigações das mulheres para se protegerem, estamos a dizer que todas as outras que se recusam a tomar um táxi só para mulheres, a descer numa paragem especial ou que decidem ir a um festival onde toda a gente entra estavam a pedi-las. Se não estivermos a dizê-lo estamos, pelo menos, a deixar que outros o digam, progressivamente, até serem a maioria. O ónus da agressão vai ficar cada vez mais do lado da vítima, que nada fez para se proteger, e menos do agressor.
Não fazer nada quando os casos de agressões de género parecem estar a subir (parecem, mas talvez o que estejamos a ver seja o crescimento das denúncias e isso é uma boa notícia) não é solução. E é claro que cada indivíduo deve fazer a sua parte para cuidar da sociedade e garantir, dentro do razoável, a segurança dos concidadãos. Só que excluir os homens das lutas feministas, como se todos eles fossem agressores, reduz absurdamente a base de apoio para realizar mudanças efetivas nas sociedades europeias, em prol da liberdade de todos. Não são só os homens que se afastam dessas medidas, são também as mulheres que discordam desse discurso radical de generalização dos homens. Não era também contra as generalizações dos papéis de género que costumávamos lutar?
Sim, já todos tivemos más experiências com taxistas, não necessariamente sexuais, mas ser mulher e motorista não garante por si só nem a educação, nem a boa condução, nem sequer a integridade sexual perante outras mulheres – uma ideia que aplicações como a Kollet ou festivais só para mulheres parecem querer propalar. Como quase tudo na vida, também aqui pode a educação contínua funcionar como vacina para as agressões sexuais? No Quénia, o projeto No Means No (não é não) está a produzir efeitos na redução da violência sexual contra mulheres. E se déssemos formação nessa área aos taxistas, e aos frequentadores de festivais, e aos homens que andam na rua à noite, e aos miúdos. E se passássemos esses valores contra a cultura da violação e do assédio, claramente, a partir de hoje, a todos os que vivemos na Europa? Podemos aprender com esta experiência de Nairobi?
(fotografia de destaque: Caroline de Maigret para a Lancôme)