Depois não se queixem

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A história não é de hoje, vem toda nos romances e no que de bom se tem escrito sobre o Portugal de há 150 anos. Já no século XIX as terras se iam dividindo entre membros deste e daquele partido, ao ponto de o rotativismo caciquista chegar a carteiros ou professores. Também não vale a pena pensarmos que o problema é exclusivamente nosso. Não é. Mas não deixa de ser um problema. O rotativismo partidário, elogiado pela capacidade de, em democracia, gerar estabilidade, traz, todos sabemos, o rotativismo de lugares, de carreiras, de ocupações e de salários. A luta começa lá em baixo. Nas direcções dos centros de emprego, dos institutos de formação profissional, nas administrações dos hospitais, nas direcções dos bombeiros, nas delegações da cruz vermelha, nos centros distritais da segurança social, nas juntas de freguesia, nas câmaras municipais, nas empresas municipais, nalgumas redes de IPSS controladas para conferir poder ao chefe e legitimar, nalguns casos, o seu grande trabalho em prol da causa pública. E depois sobe-se, sobe-se, por entre direcções disto e daquilo, administrações de não sei quê, até ao dia em que se percebe que o Estado está, na sua dimensão tentacular, refém das disputas e das lealdades partidárias. É que, ninguém tem dúvidas, os partidos são, como dizia Max Weber, empresas de interessados, que vão gerindo a coisa pública quotidianamente, de olhos postos na propaganda e na reeleição que fará com que este mundo continue a girar sem controvérsias de maior. É por isso que, na oposição, os partidos sangram, e no poder rejubilam. A isto, alia-se a oligarquia da capital, onde todos, afinal, desejam chegar. Uma pequena rede de grandes empresas e interesses, todas ancoradas no Estado, que é como quem diz nos partidos, que partilha, distribui e destrói o que houver para destruir. Não é por acaso que 70% dos empresários portugueses, nesta terra de pequenas e médias empresas e de gente que vive a tentar safar-se como pode, julguem que o sucesso profissional depende das ligações políticas. Depois de quarenta anos de ditadura e de um Estado politicamente repressivo, em que os portugueses aprenderam a ter medo do Estado, viram, em democracia, a necessidade de desconfiar dele e de quem o representa. Não da autoridade concreta. Não. Nenhum português com os alqueires bem medidos desconfia do pobre GNR ou do polícia, pago a 700 euros por mês, ou do funcionário da repartição que pouco mais que isso leva para casa. Do que se desconfia é de quem dá ordens. De quem se suspeita é daquela entidade quase divina a que todos chamam “eles”. Uns anos antes da ditadura, o Marechal Carmona disse que “a pátria está doente e a culpa é dos partidos”. O terreno está novamente fértil, preparadíssimo para este discurso. Se algum dia aparecer alguém a dizê-lo e tiver algum sucesso, esta pequena oligarquia à beira-mar plantada apontar-lhe-á o dedo gritando “populista”. Ocupados que estão a fazer pela vida, não serão capazes de melhor. Depois não se queixem.

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