Um dos prazeres a que me entrego todos os verões quando estou de férias é à leitura de um exemplar de chick lit. O ano passado foi ao delicioso Party Girls Die in Pearls, de Plum Sykes. Essa. A autora dos bestseller da chick lit (por mim lidos e venerados) que são Bergdorf Blondes e The Debutante Divorceé (que li quando era casada e me recordo com afeição agora que já não sou). Este ano estou a ler Killing Monica, da uber guru da chick lit Candace Bushnell, a autora desse livro seminal que deu origem à série televisiva Sex and the City. Também a autora do muito recomendável Lipstick Jungle e do Four Blondes e do One Fifth Avenue. Em anos anteriores foram outros livros de chick lit, incluindo The Italian, um romance gótico de Ann Radcliff.
Aprecio várias coisas na chick lit. Uma é o desprezo com que é olhada pelos pomposos de ambos os sexos. Um livro com assunto tonto e improvável escrito por um homem? Do género da península ibérica se tornar uma jangada de pedra? Ou de existir uma mutação genética e avanços tecnológicos que nos tornam meios robots meios humanos? Ah, delicioso, que esperteza, originalidade, que maravilhoso insight sobre a natureza humana. Mas uma mulher a escrever bem e com talento e olho crítico e mordaz sobre mulheres, relações interpessoais, questões profissionais, muitas vezes com as limitações impostas às vidas das mulheres, sociais, legais e culturais, acrescido desse tema tão fundamental na chick lit que é a amizade feminina? Pfff, isto não tem interesse nenhum, quem quer ler sobre assuntos ‘domésticos’ (juro que já ouvi esta categorização)?
Outra é a qualidade intrínseca da chick lit. Há autoras que escrevem fabulosamente bem, com humor e talento afiado. E os temas que abordam são importantes e estruturantes na vida de toda a gente. De tal modo que podemos colocar na chick lit autoras de peso como (além da referida Ann Radcliff) Jane Austen, Anita Loos, Jean Rhys, Anne Tyler, numa versão lusa uma Agostina Bessa-Luís ou Edith Warthon aqui e ali (em The House of Mirth certamente).
Claro que nem todas as autoras feminas escrevem chick lit. Nunca colocaria as deusas Alice Munro ou Kate Atkinson nesta categoria. Afinal é pre requisito que se escreva sobre mulheres e os assuntos derivados. Porém sempre considerei a menorização deste género, alegadamente só feminino, como mais uma evidência da forma rápida como se desconsidera os contributos das mulheres em qualquer área. Convém defendermos que não é género para menosprezo, pelo contrário. Há quem escreva divinamente bem e sobre assuntos que afinal são os mais importantes que impactam na vida de metade da população. Não entendo por que carga de água Fever Pitch de Nick Hornby é um grande livro, para todos os sexos, e os deliciosos e divertidos livros de Helen Fielding são uma muito leve chick lit.
E chego ao que me agrada mesmo à brava na chick lit. Tem resmas de mulheres que escrevem imensamente bem. Sobre assuntos que interessam a pelo menos metade da humanidade. O humor (algo que eu cada vez menos dispenso na minha vida) é abundante, bem como a reflexão sobre o que é ser mulher atualmente. O estilo pode ser leve, mas os temas são existenciais e inultrapassáveis. Jane Austen, no idos do início do sec XIX, refletia como a única via para uma mulher sem rendimentos próprio (i.e., quase todas) era o casamento. Anita Loos fazia um tratado sobre a forma como a sociedade lida com, e depois integra socialmente, mulheres com passados nebulosos (ou o que isso era no início do século XX). E por aí adiante.
Pelo que recomendo a gente de todos os sexos que leiam chick lit. É mais divertido e profícuo que ler jornais desportivos. Prometo.