Fotografia da Isabel Santiago Henriques
Não há problema nenhum em ser rico e ter um discurso político virado para os mais pobres. O problema só surge quando o discurso político se vira contra os mais pobres. Não é tanto a hipocrisia que aqui está em causa. É o snobismo – e este tanto existe à direita como à esquerda – de quem censura condutas aos outros quando as pratica na sua vida. Foi o que aconteceu com Ricardo Robles. É o que acontece com aquela gente que passa a vida a defender a escola pública mas que tem os filhos no Liceu Francês ou na Escola Alemã: a escola pública é boa para o piolho, não é para os filhos das elites. Ou quem passa a vida a defender o SNS mas nunca mete os pés num hospital público: o SNS é bom para a ralé dos subúrbios e da província, os meninos-bem só vão ao privado. O turismo também só era bom quando o Algarve estava deserto e os snobes de Lisboa para lá iam de férias. Ou quando todos eles, uma pequena minoria com capacidade para viajar, iam conhecer as cidades europeias e o resto do mundo. Agora que a piolheira invade cidades, o turismo é péssimo e deve haver quotas nos aeroportos. Esta coisa da gentrificação é outra: o que está realmente em causa é uma minoria de gente que está a perceber que o descongelamento das rendas a afasta do centro chique da capital. Essa gente, que nunca pôs os pés num bairro suburbano, vive apavorada com a hipótese de lá ter de ir parar, mas nunca levantou um dedo para criticar o caos urbanístico e social que andaram a criar à volta de Lisboa durante anos. Se fosse por esta gente, que vai do Ricardo Robles ao Vasco Pulido Valente, do Francisco Louçã ao Miguel Sousa Tavares, da Gabriela Canavilhas ao Paulo Portas, eu, neto de agricultores e filho de um Guarda Fiscal, teria o meu destino traçado à nascença, e provavelmente ainda hoje estaria a guardar cabras na serra de Monfortinho. Pode ser que um dia a imprensa e as televisões percebam: o país não deve nada à elite lisboeta.