Li numa notícia que os alemães temem mais Trump que Putin. Bom, os alemães e toda a gente. Putin é um homem inteligente e calculista que quer preservar o poder russo (que varia, entre outras coisas, com o preço dos bens energéticos que produz e exporta), pretende manter a influência russa nos territórios da antiga URSS (e, antes disso, do império dos Romanov, que estas coisas não aparecem de anteontem), insiste em ter estratégias de defesa contra países europeus que já por várias vezes invadiram aquele gelado mas simpático país, e mais uns tantos objetivos nesta linha. Claro que é um SOB a fazer isto tudo, mas há lógica nos seus objetivos. Mesmo quando quer influenciar ou enfraquecer os seus adversários – como o hacking nas eleições presidenciais para vencer Trump – fá-lo calculadamente porque está longe de querer o caos.
Trump é o oposto. É um ignoramus que não percebe nada de história nem das dinâmicas seculares entre os povos, só sabe de intimidação, mentira, ameaça, arruaça. Ao contrário de Putin, gosta de destruição porque, em boa verdade, tem, como os comunistas, a ideia de que o mundo é um jogo de soma zero. Se os outros ganham, é porque os Estados Unidos estão a perder. E tem de destruir os outros, amigos ou inimigos, para os Estados Unidos deixarem de perder. Again, como boa alma comunista (e, como os chineses demonstram, ser comunista não implica insistir na abolição da propriedade privada), deleita-se com o caos. Sabe que as consequências do caos caem sobre os outros, ele e a família ficaram imunes, pelo que a sua estratégia de poder pessoal resultará triunfante. Como bom estalinista, Trump regozija-se com bons momentos de destruição. Como dizia Mao Zedong, revolution is not a dinner party.
É nesta linha que Trump tem feito todos os esforços para escaqueirar as alianças ocidentais. Na NATO usa o argumento (pertinente) da necessidade de os Estados Unidos não pagarem quase toda a fatura da defesa europeia. (Se bem que, em boa verdade, o status quo agrade muito ao lobby agregado ao DoD, onde todos ganham muito dinheiro, numa constante porta giratória entre público e privado, com o desenvolvimento e venda de novos armamentos.) Apesar de ter razão – está na hora da UE assegurar a sua defesa sem depender dos EUA – o objetivo não é equilibrar as contas da NATO: é destruir as alianças que a constituíram. Mas o grande inimigo de Trump é a União Europeia. Nem de propósito (tinha começado a escrever este texto antes de ler a notícia), Trump declarou a UE um ‘foe’ do seu país. Por ignorância e egomania, o POTUS entende que tem de espatifar os elos entre os países europeus e colocá-los na dependência direta dos Estados Unidos, bem comportados sob o jugo permanente chantagem do rasgar dos acordos pelos americanos.
O suicidário brexit veio dar esperanças a Trump, que acha que estas coisas se resolvem em tribunais ou com gritarias.
(De resto isto só mostra o mau empresário que Trump é, alguém que teve a sorte de herdar uma fortuna e fez muito menos com ela do que poderia. Há pessoas assim, que acham que os demais vão fazer maus negócios para os próprios só porque têm pela frente alguém convencido de ser muito eloquente e persuasivo. Geralmente estas pessoas são mandadas dar uma volta, claro, mas em se tratando de relações entre países os estragos são mais permanentes que entre empresas ou parceiros de negócios.)
Em todo o caso a UE – cujos líderes parecem os pais de uma criança pequena que num jantar já com certa formalidade não pára de dizer ‘cocó’ à mesa em frente aos convidados, sendo que a estratégia dos pais é fingirem que a adorável criança não diz nada – tem de rapidamente perceber que é um dos alvos preferenciais de Trump. Claro que a UE, no conjunto, é o maior bloco económico e comercial do mundo e está muito longe de ter esgotado as potencialidades. Pode perfeitamente deixar de aceitar, inclusive publicamente, o bullying do carroceiro Trump. Como fizeram os Príncipes Filipe, Carlos e William, que se recusaram a receber Trump nesta última viagem ao Reino Unido.
Termino com a nota da família de feirantes (sem insulto para os feirantes) que os Trump são. Já não bastava a notícia recente de Melania Trump usar fotografias para se promover como primeira dama de que recebe royalties (mais de cem mil dólares no ano passado), agora tivemos Trump a usar uma viagem diplomática ao serviço do país para fazer publicidade abertamente aos seus campos de golfe na Escócia e Irlanda. Nada como usar a atividade política para ganhar mais uns trocos. Os comunistas sempre foram sovinas.