A vida que todos invejavam

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No programa que gravou em Salvador, na Bahía, Anthony Bourdain, enquanto descascava um caranguejo com as mãos e os dentes, dizia que uma sociedade que é incapaz de descascar marisco não é capaz de nada, muito menos de se defender seja de quem for. Noutro programa, com pão e queijo de Azeitão à frente, explicou a razão pela qual um dia tinha escrito que os vegans são “inimigo de tudo o que é bom e honesto”: segundo o chef , estrela de televisão que não cozinhava nos seus programas, que assistiu sem pudor a matanças de porco, que fumava, que bebia alarvemente, se um tipo não é capaz de apreciar um queijo daqueles, mais valia matar-se logo.

Politicamente incorrecto, mas tolerante; bruto, mas sensível; masculino, sem ser misógino ou machista. Viajava e comia, o que lá em casa equivalia a um consenso inabalável quanto à vida perfeita que tinha. Bourdain era um dos últimos anti-heróis que o mundo tinha. Suicidou-se hoje, apesar de saber apreciar um queijo de Azeitão. O mundo pode não ter ficado mais pobre. Não sei. Mas o meu imaginário ficou. Calculo que saibam o que isso custa.

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32 anos, casado, pai de uma filha. Advogado e ex-assessor no XIX Governo. Colaborei, enquanto jurista, na redacção do livro “O Inimigo em Casa – Dar Voz aos Silêncios da Violência Doméstica” e escrevi o artigo “A Liberdade não está a passar por aqui” para o livro “Troika Ano II – Uma visão de 66 cidadãos”. Escrevo no Observador sobre o sistema político e a justiça.

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