No programa que gravou em Salvador, na Bahía, Anthony Bourdain, enquanto descascava um caranguejo com as mãos e os dentes, dizia que uma sociedade que é incapaz de descascar marisco não é capaz de nada, muito menos de se defender seja de quem for. Noutro programa, com pão e queijo de Azeitão à frente, explicou a razão pela qual um dia tinha escrito que os vegans são “inimigo de tudo o que é bom e honesto”: segundo o chef , estrela de televisão que não cozinhava nos seus programas, que assistiu sem pudor a matanças de porco, que fumava, que bebia alarvemente, se um tipo não é capaz de apreciar um queijo daqueles, mais valia matar-se logo.
Politicamente incorrecto, mas tolerante; bruto, mas sensível; masculino, sem ser misógino ou machista. Viajava e comia, o que lá em casa equivalia a um consenso inabalável quanto à vida perfeita que tinha. Bourdain era um dos últimos anti-heróis que o mundo tinha. Suicidou-se hoje, apesar de saber apreciar um queijo de Azeitão. O mundo pode não ter ficado mais pobre. Não sei. Mas o meu imaginário ficou. Calculo que saibam o que isso custa.
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