Inês Domingos: Afinal a história não acabou

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Copyright Isabel Santiago Henriques

Morreu esta semana Frank Carlucci, o diplomata americano que escolheu, contra a opinião de Kissinger, ajudar Portugal a ser livre depois da revolução. A democracia liberal que hoje nos parece fácil e que enche a boca daqueles que a quiseram impedir, não estava nada garantida à partida. Os ataques eram pouco velados e fundavam-se numa interpretação abusiva do que seria a vontade de uma maioria, do verdadeiro povo. No fundo pretendiam, numa volta de 360 graus trazer de volta a submissão, só que agora em nome de uma ideologia diferente. Mas graças à coragem de muitos que não queriam perder de novo a liberdade e apoiando-se no processo de integração europeu como forma de consolidar a incipiente democracia liberal, Portugal avançou confiante em direção ao fim da história imaginado por Fukuyama, onde, como num filme de super-heróis, as democracias venceram e o despotismo acabou.

Quarenta e quatro anos, treze legislaturas e três resgates financeiros depois da revolução, Portugal continua a ser uma de democracia liberal, mas a história afinal andou para trás. O populismo de esquerda e de direita que ataca as instituições independentes e os contrapesos do poder domina uma franja minoritária, mas crescente da população Europeia. A demagogia está a ganhar terreno apoiada muitas vezes pela Rússia, que quer voltar a ser influente, de preferência vizinha de uma Europa enfraquecida. Na Europa, o projeto europeu deixou gradualmente de apelar emocionalmente às pessoas e passou a ser visto como uma máquina burocrática de inventar regras. Sem conseguir explicar a importância histórica da União Europeia e os valores comuns da Europa, foi-se deixando espaço para a paixão dos populistas, dos demagogos e dos xenófobos.

Com as eleições Europeias à porta, é importante pensar e reformar a arquitetura institucional Europeia. Mas falta-nos também mostrar a importância dos valores sobre os quais a Europa se fundou e dos quais a União Europeia se propõe ser guardiã. Num mundo em que os princípios são variáveis, recordar a coragem de Antígona que prefere a morte a desrespeitar os deuses e os seus princípios, enterrando o seu irmão contra as ordens do rei. No mar de notícias falsas, olhar para a sede de verdade do rei Édipo, ainda que seja para descobrir que ela tem terríveis consequências. Nos ataques infundados às instituições, relembrar a civilização e a República romana. Na intolerância e xenofobia, vivermos a solidariedade e abnegação dos fundamentos judaico-cristãos. São estes os nossos valores, que nos distinguem da maior parte das regiões do mundo.

A história ensinou-nos que preservação desses valores dificilmente se faz sem um projeto europeu comum. Mas para perseverar neste projeto é imprescindível conseguir explicar como os valores que nos unem são mais fortes do que aquilo que nos separa. A União Europeia é um projeto de paz e de democracia. É preciso voltar a tornar isso óbvio para os Europeus.

 

Inês Domingos é deputada à Assembleia da República eleita pelo PSD. É economista, licenciada pela Université Catholique de Louvain e mestre pela University College London, tendo experiência profissional no campo da análise macroeconómica e de finanças públicas. A Inês é casada e tem três filhos.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom artigo! “Na intolerância e xenofobia, vivermos a solidariedade e abnegação dos fundamentos judaico-cristãos. São estes os nossos valores, que nos distinguem da maior parte das regiões do mundo”

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