Hasta Quando?!

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Tenho uma amiga que está a dar de mamar. 

Aos que já estão a esfregar as mãos de contentes por acharem ser este um artigo sobre amamentação, lamento desapontar-vos. 

Dizia a minha amiga, com a graça que a caracteriza, que estava a dar suplemento à criança, mas que, infelizmente, o suplemento já era o alimento principal e o leite materno mero acessório. Vim para casa a pensar se esta não seria a analogia quase-perfeita para a situação das mulheres na sociedade e, em particular, no mercado de trabalho. 

Quase-perfeita, obviamente, porque sabemos que o leite materno é melhor para o bebé e que, no caso da (des)igualdade de género, homens e mulheres têm faculdades intelectuais iguais, embora o processo cognitivo se processe de forma diferente, e, claro, as diferenças fisiológicas sejam mais do que reconhecidas. A referência às diferenças fisiológicas soa lapaliciana, no entanto, é necessária por ainda subsistir uma visão das feministas como implacáveis equalizadoras; máquinas fulminantes de propaganda de castração de género em favor de um mundo assexuado. Talvez não acreditem, mas aqui vai: estamos em 2018 e há diversidade de opiniões no feminismo! Há muito poucas feministas a sonhar com esta distopia deprimente! Estão assim como o lince ibérico, isoladas e em vias de extinção. Pessoalmente, vi apenas uma, numa conferência, e fugi a sete pés. 

O suplemento chega sempre quando o leite materno é escasso. Também historicamente, o acesso da mulheres ao mercado de trabalho só se dá com o êxodo masculino para os cenários de guerra, nomeadamente na Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

O suplemento começa por ser subsidiário, alimenta o bébé e não tem qualquer reconhecimento. Há até uma certa vergonha em dizer que se depende do suplemento para se sustentar o bebé. Tanto histórica, como actualmente, é negada às mulheres uma voz participativa e proporcional à maioria que constituem. E se, historicamente, este facto era inevitável devido aos fracos números de instrução, liderança etc, actualmente já não há motivo para que esta discriminação continue a existir em todos os sectores da sociedade, em todas as áreas profissionais.

A minha pergunta é, então, a seguinte: até quando é que nós, mulheres, vamos continuar a posicionar-nos como suplementares? 

De dificuldades está a vida cheia. Somos, sempre fomos, sempre seremos peritas em sobreposição de tarefas, em resolução de problemas, em luta por ideais. Porque não aplicamos estas características à conquista do pleno reconhecimento das mulheres enquanto líderes, enquanto maioria da comunidade académica, enquanto força de trabalho que sustenta o país? Enquanto chefes de família pertencentes a um país com taxas de divórcio exorbitantes e núcleos familiares cada vez mais pequenos? Porque recusamos um estatuto que já é, na prática, nosso? Qual a origem da dificuldade de seguir para o próximo patamar, que não é mais do que uma sociedade de mulheres livres. Participativas. Independentes. 

Numa esfera mais prática; 

    Até quando não vamos ter paciência para aceitar convites para falar em público? Não será tempo de trabalhar a auto-estima e de nos assumirmos como mentoras, referências, formadoras de opinião? 

    Até quando vamos ter vergonha de falar de dinheiro e de perceber se ganhamos mais ou menos do que o colega que tem a mesma posição que nós? Até quando é que vamos aceitar reuniões a horas impraticáveis, até quando vamos impor os mesmos horários quando já chegámos aos lugares de chefia? 

     Até quando vamos pedir licenças de maternidade com a timidez de quem quase pede desculpa?  

     Até quando vamos continuar a assistir, impávidas e serenas, a debates compostos esmagadoramente por homens, sendo meros acessórios da espiral de auto-contemplação masculina, quando já temos mulheres em posições de liderança em praticamente todos os campos? Não estará na hora de olhar para os números em vez de repetir o imaturo “eu nunca fui alvo de discriminação, antes pelo contrário, sempre me trataram como uma princesa por ser a única mulher” (sim, eu já ouvi isto). 

   Até quando vamos ignorar os escandalosos números da violência de género, que, recordo, é um fenómeno sem classe social, faixa de renda ou justificação?

    Até quando vamos estar, em Portugal, em contra-mão com o mundo que já começa a acordar para os números da desigualdade?

 Já há muitas mulheres a fazerem este caminho, mas precisamos de mais união, mais diálogo e mais participação. Para além das boas práticas, é necessário mudar mentalidades. E este é um trabalho que se quer constante, persistente, muitas vezes ingrato. 

Há quem pense que ser feminista é querer ser igual aos homens. Não é! Precisamente por sermos diferentes, teremos, a certo ponto, que nos unir para que nos tornemos verdadeiros agentes de mudança desta sociedade que  exige critérios de excelência assentes em mundividências passadas. Que, ao contrário do que se pensa, não estimula a meritocracia, pelo contrário, trava a entrada de novos talentos, novas ideias e novos paradigmas. Deixemos de ser a maioria com voz minoritária, dispersa, demasiadas vezes desavinda, avessa ao lobby, com uma atitude ainda envergonhada em relação ao sucesso já alcançado. Para além da legislação, da política ou do ativismo, há, na prática, nas nossas vidas, muito para mudar, muito por falar,  muito por fazer. 

 Sozinhas vamos rápido, juntas vamos muito mais longe. 

 

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Teresa Morais tem 35 anos, é jurista, tradutora e activista. Depois de viver em São Paulo e em Londres, voltou, há dois anos, à Lisboa que a viu nascer. Gosta de biografias, boas revistas, boas séries, bons políticos e bons amigos. Ouve música de todos os estilos, a toda a hora, em qualquer lugar. Está no Capital Magazine por acreditar ser esta a hora de falar de causas e de fazer melhor política em Portugal.

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