Escrevo compulsivamente na minha cabeça na esperança de um dia, por longínquo que pareça, transporte as palavras para o papel para que não pereçam no esquecimento do que poderiam ter sido e não foram. Inspiração para alguém, divertimento de outrem, leitura de praia, sim, mas que não morram na praia neste quase, quase, que enlouquece os menos tenazes, muitas vezes capazes. Deixados no limbo, nesta fronteira ténue, ilusoriamente confortável, que separa o enlouquecer do engrandecer. O engrandecer de quando ultrapassamos obstáculos, sacudimos limites, recusamo-nos com determinação a ver passar navios.
“- Já escreveste a tua história, Maria?”. “- Vai indo, vai indo”. “- Fico à espera.”
O momento em que as letras, as palavras, as frases mergulham no papel, decididas a escapar desta prisão chamada mente que na ânsia da perfeição, no medo da incompreensão, boicota as nossas aspirações mais elevadas neste nada que é tudo na mente mas não nos define. Um tudo com pulsão mas que sem dar uso ao pulso se transforma num nada de ilusão. A necessidade de passar à acção, abandonar o arsenal de neurónios, pantanoso na sua complexidade, e como que num apagão, envolto por uma descarga de serotonina, mergulha em águas profundas, incertas, mas palpáveis. Leves na temperatura, frescas na densidade, intensas na satisfação.
Escrever é uma droga. Droga porque custa, sai-nos do pêlo, descabela-nos, conduz-nos aos locais mais recônditos do nosso ser, apela ao nosso subconsciente, assalta o nosso equilíbrio. E é neste cerco da voz que ao gritar se emudece que a escrita nasce. Uma droga que se torna noutra droga. A do vício, do calor do hábito, da transcendência, do instinto de sobrevivência num mundo paralelo do qual só nós temos a chave. A droga de uma liberdade condicionada não pelo tamanho dos nossos sonhos, mas pela desenvoltura da nossa pena.
“- Já escreveste a tua história, Maria?”. “- Vai indo, vai indo”. “- Continuo à espera.”
E quando finalmente escrevo é sinal que cresci. Da sopa de letras para o oceano de palavras. Onde a razão faz parelha com a emoção. Onde o pensamento é contrapeso do sentimento. Onde a opacidade convive em harmonia com a transparência. A força anímica para passar da pulsão ao pulso é uma forma de maturidade. Aquela que advém de chutar o pensamento ‘o talento tá lento’ para a certeza do vamos lá moldar este puzzle e não desencorajar perante a peça que não encaixa ou – mesmo – se perde.
– “- Já escreveste, Maria?”. “- Já escrevi e já mandei.” “- Boa. Posso ver? “- Ainda não.”